Testamento para mim mesmo

- Texto criado por Helber Vieira (meu irmão) e dedicado à nossa mãe (Ari), à nossa irmã (Samara) e a mim. -

Não estou morrendo, tão pouco estou velho. Não descobri doença e nem estou ameaçado. Ao contrário de tudo o que o título desperta por estranho que seja, trata-se de um legado que fiz a mim mesmo, fazendo de seis de meus grandes sonhos, metas inadiáveis. Isso, claro, se dependesse exclusivamente de mim.

O primeiro dos sonhos é passar, cursar, me formar, exercer e ser bem sucedido em Arquitetura. Seguindo o que me ensinou minha mãe – que me foi mãe e pai – eu desejo ser o melhor no que fizer. Minha ferramenta mais poderosa e produtiva que dispus por toda a vida foi a criatividade. Acredito que devo usar o que tenho ao meu favor. Mas não brilhe os olhos lendo isso ainda. Quero terdinheiro! Acredite, não sou do tipo que manda um discurso pra justificar o curso que escolhi. Se eu quisesse as áreas de saúde, jamais usaria aquele clichê cretino: “Quero poder ajudar as pessoas, gosto de cuidar dos outros.” Bem, se você já disse ou ouviu isso, saiba que penso assim. Já viu algum vestibulando candidato de medicina fazendo trabalho voluntário com doentes, velhos, etc? (risos).

O segundo sonho é pré-requisito do primeiro. Desejo projetar e acompanhar cada passo da construção de minha casa, na qual se seguirão as realizações dos demais sonhos. Quero que ela seja bonita e confortável. Que eu a olhe todos os dias e tenha prazer. Que eu sinta saudade quando sair. Que familiares sintam prazer em estar nela e conversar por horas tomando aquele cafezinho e tendo longas prosas nostálgicas e divertidas como só eles sabem fazer. E que quem a visitar diga: Linda casa! É tão bonzinho aqui! Que Deus more nela comigo.

Sendo fundamental a realização do primeiro e segundo, o terceiro sonho é raro. Nem todo mundo quer: Casar! Sim, desejo casar.

Quero poder me casar com alguém que dê risada comigo. Que seja linda. Que tenha muitos defeitos pra que a gente passe horas falando sobre eles e resolvendo tudo com carinho, amor, compreensão e cama. Se você for criança ou um evangélico fanático, considere cama como o dormir, ta? Quero casar, fazer a festa e tudo que se tenha direito com uma exceção: que seja um Juiz ou um Rabino a realizá-lo. Quero que seja único, duradouro e feliz. E que tenha seus problemas pra que seja normal. Que eu passe nossa velhice conversando com ela. Pra resumo, que nos amemos perdidamente.

Meu quarto sonho depende muito do terceiro. Quero ter filhos! Quer poder gerá-los e cria-los dentro de um casamento. Pois se esse for como desejo, uma boa criação será só uma conseqüência. Filhos. Quero rir das coisas que eles farão na infância. Pendurar seus desenhos na porta da geladeira, ver seus dentes de leite cair. Vê-los andar de bicicleta e aprender coisas interessantes pra chamar minha atenção: “olha o que eu consigo fazer, pai!”. Quero lhes contar histórias na cama, fazer viagens, levá-los a escola sempre que puder. Quero assistir desenho animado enrolado num cobertor com eles num daqueles dias nublados e frios. Quero vê-los crescer, namorar, estudar, sonhar, dividir segredos comigo. Quero que confiem em mim. Quero vê-los se divertir com minha mãe e amá-la como se fosse só deles. Quero ser o que quis a vida inteira ter: Um paizão!

O quinto sonho te soará estranho, mas no fim entenderá. No quintal da minha casa eu plantarei uma árvore! Sério! Na minha infância vivi grandes momentos brincando em uma até que um dia, os “donos” mandaram arrancá-la. Ela será um símbolo vivo onde farei a criancice de colocar as iniciais de minha esposa e eu, e onde meus filhos brincarão. Farei em cima uma casa de madeira e terá um pneu amarrado com corda. Isso mesmo! Como nos filmes! Eu tive isso, mas não o fiz com meu pai.

Por fim, quero viver muito e escrever um livro fazendo memória de minha vida. Desde os tempos daquele galeguinho que fazia e ou desmanchava

uma festa até o senhor de idade nostálgico que serei. Realizado, espero. Quero contar da infância linda, da adolescência agitada, da música, do Rock’n Geral*, da igreja, dos tempos da faculdade e do meu amor. Registrar quem foi cada um na minha vida. Falar do que fui, do que quis ser e do que consegui. Falar de meus amados Mainha, Sama e Binho. E deixar esse “testamento-legado” – adoro neologismo – como introdução pra que o leitor compare o desejo com o conquistado da vida desse tão sonhador muleque.

*Rock'n Geral é o nome da banda formada apenas por primos (Helbinho, Luan, Dedel e Binho), a qual marcou as suas adolescências.